quinta-feira, 14 de outubro de 2021

às vezes senti vontade de expor num outdoor as mensagens que nós trocamos. Na sensação infantil de que talvez isso tocasse às pessoas. Porque você aí e eu aqui, desejando ambas que a vida nos trocasse com qualquer outra coisa e, ao mesmo tempo, olhe as palavras que nos tangem.
Querida, não sei o que reservo em mim para você, mas sei que as suas notícias ainda são minhas,e que ainda descubro coisas que me deixaram ignorante anos atrás ou a vida inteira, se for melhor (ou pelo menos mais honesto).
Te vejo mais suave do que fraca, menos galho e mais folha, aquelas folhas de jambo que são aveludadas e gentis, se curvam ao vento, protegem o fruto do sol. São folhas e não se partem...
E a saudade que me vem de você é dessas que nunca se sabe, saudade do país que se desejou visitar a vida inteira ou saudade do menino que sentava na carteira ao lado, quando só tínhamos sete anos. Eu nem me lembraria do nome dele, mas a saudade não se acalma. Deve ser um tanto ansiosa.
Penso em você todos esses dias e que talvez seu estômago se sinta como o meu. Que seu coração acorde assustado de noite, parecendo alguém num sequestro relâmpago. Um coração atado, apertado dentro do peito, dolorido e sem qualquer merecimento desse susto.
Se não há mais medo, vamos sentar na praia na virada do ano e observar. Se o mar tragasse todas as mágoas, talvez cheguemos de almas lavadas, lavradas e terra e sal e semente e mais um ano pra tentar entender essas remendas na vida.

Se eu tiver um guarda-sol, você foge e eu fujo também? Eu só preciso poder oferecer mais do que um protetor solar. Um dia, dois, acho que consigo rotas certeiras. A estabilidade do seguro e a ideia de que seguro sempre é incerto demais.
Traga o caderno, precisamos dele pra podermos rir... que pensem que morremos de dor, a caneta sempre vai provar que mesmo ao contrário, prefere-se morrer de amor, mas que o barato mesmo é viver bem e esquecer de quem foi. Ou pelo menos de quem não olhou pra trás.
Eu implorando secretamente que você nunca suma, que ... abra a mão e me veja acenando educadamente que agora eu vou embora, pra continuar saudável, pra continuar com alguns pedaços e relíquias. Preciso delas por aqui. Quero te entregar uma caixa cheia de histórias. Meus gibis e minhas pedras. Daqui logo eu saio. Fuga nº2, ou três ou quatro. Mas eu te convido para o plano, para a estrada e para os postos. Sempre há um ou outro no caminho.
 Venha?
 Beijos, repletos de azul pra você se sentir no mar


2008
Eu ia pedir para você parar.
Eu não posso me apaixonar.
Faz um tempo, uns dias... Muitos anos, eu jurei que não iria mais.
Me apaixonar.
Quando as coisas começam, depois que outras terminam, quando você flutua novamente, é sempre por um tempo. Curto.
Você ama, eu amo, depois eu desamo. Ando desamando vida a fora e continuo levando as pessoas comigo.
Todos guardados, todos sentidos. Eu sinto saudade de quem não devo.
Eu ia pedir para você parar porque uso uma roupa própria para esses casos, bege, cinza, verde. Musgo.
Uma roupa anti-paixão e que rescende a medo. Tenho tanto, tantos. Eu te empresto, eu guardo alguns, posso distribui-los.
Só não faço se você prometer.
Parar.
Pare de oferecer a mão,
Pare de olhar,
Esse olhar de cão, essa coisa que pede,
Esse travesseiro largado ao seu lado,
Dizendo, baixinho, sussurrando enquanto alguém dorme no quarto ao lado,
“vem”
Com uma, duas, vinte interrogações que são todas as dúvidas que já deveriam ter sido extintas pela sociedade.
A humanidade deveria ter superado a paixão.
Se fosse em outro tempo, de outro modo.
Vamos ser andrelinos?
Entrar num monastério juntos e nos dedicar ao amor fratello e capello. Vamos observar gaivotas?
Não há homens nesses conventos.
Seremos franciscanos, ambos.
Divido minha sandália de tiras com você.
Eu vim pedir para você parar.
Mas o céu, aquele tom.


Algo mudou.


2014
Se você nunca me leu,
não me conhece.
Se levado pela sorrisaria, me supõe leve,
tenra e terna
Você não está entendendo nada.
Não sabe o talho profundo
que dou todo dia
em cada ramo
a planta, caule
as flores que eu empalho
Se não correu na entrelinha,
talvez espere.
Talvez acredite em cada "minha"
e como Narciso, 
de cabeça,
só naquilo
que é você mesmo.


2016

Escuta...
Menino.
Escuta calado
o que murmuro
enquanto encosto a tua
na minha boca.
Escuta o que digo
Preciso
e incerto.
Como tudo.
Escuta...


2006
Margarida
era você ao desfolhar
olhos pálidos
branco-neve
um sol amarelo morava em você
e vinha cada vez que eu sorria
eu mastigava esse sol
e meus dentes se escovavam em astros
minha boca
pra você
parecia céu
eu sorrindo
com estrelas
ocultando nebulosas
enganando a quem passasse pela esquina e
dizendo que você eu não quero
era só pra olhar
recuei um ou dois passos
pra poder ver melhor
tomei impulso, recuperei o fôlego
no três, tombamos juntos


2005
Não há trégua.
Não houve nunca.
Incessante coração aplicado ao ato de pulsar.
Da hora que fui feita à hora de deitar.
A última.
Não há trégua para esse vento, essa neve, essa forma de falar.
Minha prece.
Difícil escrever.
Esvaziada e competente,
Recolhendo gotas e as acrescentando
Ao meu copo,
Transbordante,
Nosso cálice.
Meu calado jeito de dizer

Não quero mais mágoas.

05/06/2016

Novelo

Tem uma curva ali na frente
Tem eu inteira tombando o corpo, fazendo hora
Fita
Fiteira era o que minha avó me dizia e aí eu pensava sempre na Ariadne. Me pensava segurando o novelo, Perseu correndo, fugindo do Minotauro. Se ela soltasse o fio, se ela tivesse uma dúvida.
Se Ariadne sentisse medo.
Então ela seria eu.
Nascida pra ser herói, de espada, capa, elmo, escudo, dessas mulheres cabra-macho, procuro por um fio entre isso tudo. Tem um labirinto todo meu.
Não cronometro, não espero mais, não entendi se é a proximidade ou a distância, se é de quem se aproxima a vida toda, esperando a mão, o vão que vai pra alma, mais sim, menos...
Ou quem tá longe, contido, encapsulado no tempo e no espaço. Inacessível.
Enquanto tocava a última faixa do disco, aquele brega que já ouvimos, eu pensei em você. Nele, em nós dois, pensei que era possível calcular qualquer disritmia apenas por esse olhar de corça, loba danada.
Não é.
Se ele dispara, só eu sei, só eu espero.
Conto de trás pra frente, 180, 21, 9, 2. Me perco antes do um e aí já foi.
Corrente, voltagem, amores.
Eu queria te achar, agora ou depois, um mês, três, dez.
Mas precisava de coragem.

Ah, se Ariadne sentisse medo...

Coitado do Perseu.

05/06/2016
no último dia ela foi
feliz
brincou com os filhos
limpou a casa
convém frisar:
não como crítica ao
papel feminino
mas a consideração...
Ter deixado a casa limpa
É como ter erradicado
A fome do mundo

2005
um ano inteiro
pra contar o que eu
sentia
uma
folha apenas
pra imaginar como seria
muita vida
pouca letra

13/06/2016
amor, vem ver o mar!
subiu até aqui, tá chegando aos meus pés.
o frio que trouxe do escuro,
o véu que cobre esse meu rosto
não é mortalha,
mesmo que seja
vem escutar o som que chama,
vem tremer e perceber
que a vida, sem um bom punhado
de medos,
é um comercial de margarina.

15/06/2016

Peckham Rye

Recorda que nada ainda terminou.
De noite, hoje, era pra gente correr pelo gramado,
dois cães abandonados, 
fugindo desses demônios que nos roem os ossos.
Olhos esbugalhados que nos procuram no escuro
e a gente rindo, a gargalhada alta, a noite em claro
e a angústia que gente ainda viva
sente na goela.
É tudo carne!
tudo sentido no ferro em brasa
que nos identifica: somos gado.
Mas estamos livres.
E veja, o dia ainda não raiou...

26/07/2016


Queria hoje queimar os meus livros.
O muro da minha cidade sitiada.
E as palavras, como súditos, pedindo clemência.
A nau principal da minha esquadra, perdendo-se no horizonte.
Que imagem poética, amores como navios.
Mas qual general, tendo perdido sua principal pedra, não a substituiria o mais rapidamente, se pudesse?
Essas palavras são minhas.
Mas não cabem também em outras bocas?
Quem de vós, ó genitoras, lançaria sobre o filho a responsabilidade paterna?
Como se culpasse o abortado pelo abordo,
o fruto pela semente numa responsabilidade invertida, de trás pra frente.
Pense num reino à beira mar.
Aceite o mar como irmão e inimigo,
provedor e porta para todos os males.
Pense  em escapar.
É necessário que se visualize bem este lugar.
É o meu ponto de partida.
Porque toda família é um reino.
O homem ou o menino?
Escolhi o varão!
Porque a guerra não era só do lado de fora.
E se na Dinamarca neva...
Pás e pás de neve retiradas do meu leiro para sepultarem o finado. Preparei minha cama de gelo.
Compreendo se não entendem...
Nessa pele só cabe um.

03/08/2016

Porto - Galápagos


Pude visualizar algumas coisas, entre a sombra escura do sol e a lua que já se levantava, desde antes do café ficar pronto.

Eu sentia saudades.

E eram saudades inexplicáveis. Dos primos que estavam longe, do amigo de quem eu perdera o e-mail e já fazia anos que me perguntava se estava vivo ou não. Senti saudades de quando levantava pela manhã e aceitava o calor colorindo a minha pele. Antes de tudo eram saudades de Portugal e essas eu não conseguia justificar. Lisboa me parecia tão rara naquele instante, que era quase caminhar por aquelas ruas de pedra.

Pensei que eu deveria voltar ao ponto de início.

Voltei.

Na primeira vez, ela apenas dormia ao lado de um dos rapazes. As mãos entrelaçadas, denunciando o começo do namoro. E era o começo de namoro na vida toda. Nunca havia sido a garota de ninguém. Logo depois experimentou a ânsia com outro deles, e já que não adormeciam juntos, ela sempre fantasiava sobre isso.

O terceiro era um misto de tudo, de irmão, amigo, deitava ao lado e roubava as cobertas. Ela ainda imaginava o segundo. E depois foram outros. Aquele que dormia na beirada da cama, o que teimava em estar sempre de meias, um outro que tinha um cabelinho cheiroso e por isso ela o colocava no ombro. Houve também um com quem tentou adormecer... Mas nunca conseguia. Seus amores lhe provocavam insônia.

Até que se apaixonou e com esse dormiu pelas últimas noites, mesmo que ele nem soubesse disso. Depois passou. Ele saiu da vida dela, deixando a cadeira vaga, a cama e o coração em frangalhos. Ele (o coração) jurou que não se recuperaria nem nessa década, nem na outra.

Teimaram os dois e ela continuou. Aprendeu a dormir abraçada, mesmo que a qualquer movimento seu sono se desfizesse. Ele levantava (o outro moço, agora o coração repousava), ela levantava junto. Ele espirrava, ela já vinha com o chá. Adotou um filho maior.

Esperou por um ou dois anos e agora era ele que não conseguia dormir e se quem a acompanhava sofria de insônia, imaginem a pessoa em questão. Oito quilos a menos na balança e um ar grave que só quem a conhecesse de muito tempo entenderia ser a borda de uma ferida purgando algo de venenoso. Ela partiu.

Malas e alguns pertences, coisa pouca debaixo do braço. Ele foi logo em seguida.

Veio mais um. Era quente e dormia fácil. Ela se animou. Experimentaria agora uma noite completa de sono.

Não foi. Algo naquelas mãos, naqueles dedos que repuxavam seus cabelos com insistência a pôs doente. Quase morreu por duas vezes, as bolas vermelhas pareciam almôndegas vomitadas antes do café da manhã, como a Lua que me fez lembrar Lisboa.

Desistiu.

Menos um na cama, mais uns fios de cabelo e um tratamento de choque. Relera “A Montanha mágica” e tentou se curar. Mirou-se nos exemplos de Bandeira e não das mulheres de Athenas. Deixou de morrer e continuou.

Mais um. Agora nessa fase ela já perguntava “Quando eu acordar você não estará mais aqui?”. Era retórica.

Se esparramava sozinha na cama imensa e cheirava os lençóis procurando encontrar vestígios de si mesma. Não queria saber do outro.

Cortou o coração daquele lá e seguiu, jurando que nem mesmo o amor de infância, agora fardado, comprometido e constante, a tiraria de qualquer rumo. Queria uma linha reta.

Dormia só por 4 horas, acordava e olhava dentro da noite. As respostas eram criptografadas e ela, como olhos de sono e de ramela, não se perguntava se entenderia ou não.

Desistira.

Até que um dia...

Eram mãos e pés quentes. E talvez ela se arrependa.

Essa Lua, a sombra e o calçadão lisboeta. Eu lembrei e logo esqueci.

Talvez ela se arrependa.



03/08/2016




Bauman

Amor não sei que gosto tem.
não deve doer, porque se doer, nunca senti.
mas quando você foi, deu quase um aperto.
Eu não te amava ainda.
Não sei se seria depois.
Foi desses "até logo" que sabemos bem o quanto
vão durar.
Logo não tem coisa alguma a ver com isso.
Não te segurei, não causei resistência.
Me deixei despedir daquele abraço liquidamente
escorri por cada dedo seu, encharquei sua camisa
a barra da sua calça,
deixei uma marca estranha no seu peito
líquida, plácida,
entendida e compreendendo que
não se ater a ninguém foi minha escolha
havia um pequeno laço
desatado
a fita, nas suas mãos,
parecia uma pequena ave
você olhou,
aliviado
passos largos, ligeiros
compassados, ritmados
como tudo o que você anda
escolhendo
sorriu, acenou
e nos fomos.
Um do outro.
Perpétuos.
Agora, nesse instante,
voltando pro Aquário,
sabendo que nem todo
mundo quer criar
peixinho dourado.

04/08/2016

Fiorde



Tudo o que ela queria, hoje, era te beijar. Forte, lento, com música ao fundo. Qualquer uma daquelas.
Se respirava fundo, era só pra afastar essa ideia, e outra, e mais uma.
Porque agora a moça estava dividida. Aquela paixão platônica, aquela pessoa que não olharia na direção dela, olhou.
Olhou, olhou de novo. Se esperavam.
Qual dos dois?
Tomou mais um gole, mais um cigarro.
Pensou que não importasse o desastre natural, a política, a polícia, no fim, no seu fim, tudo se resumia àquele contato de peles. Não era alguém que consumiria pessoas, ela só queria fenecer.
A sua placidez, essa coisa de lago calmo, que ela já sabe bem que é mentira. Não engodo. Só que há mais coisa abaixo da superfície. Ela desenhou tudo isso, colocou ao lado daquelas fotos, da visita ao Peru, dele sorrindo com o cão. Dele amando a paz e a violência, com a sede de quem vai morrer daqui há pouco. Com a ânsia que a queimava da mesma forma.
Mesmo que ela te ame, rapaz, mesmo, agora ela anseia por aquela boca, as testas coladas, o ponto sem retorno, aquele toque, aquela mente. Não consumia pessoas, consumia mentes, assuntos, ideais.
E ele simplesmente se encaixava como uma peça feita a mão. Rústica.
Dois rústicos.
E ainda assim, quando pensa no seu ar bem perto, a respiração fazendo coro, ela estremece.
Não sabe bem o que vai escolher.
Ninguém sabe, a história ainda não estava escrita e ninguém conhecia o autor.
A temporada de caça estaria aberta, e ela... ela se faz de presa... só até a lua sair.
Tudo o que ela queria, hoje, era te beijar. E a ele também.

19/10/2016

balzaquiana

Ela acendeu o cigarro.
Os olhos arregalados deixavam clara a conclusão:
perdera o amor da sua vida.
Não esse último. Esse a perdera e era o amor da vida dele. Ela. Ele não.
“Otário”, gesticulou com força, esparramando uma lufada de fumaça por tudo quanto era lugar ainda vago no ambiente.
Ela usava esses termos, “panaca”, “bananão”. Achava que definia bem a sensação da inconsistência do caráter.
Mas o outro.
Não, não!
Ela perdera o amor da sua vida e tinha entendido numa mensagem não enviada de quase oito anos antes. Ele sentira ciúmes. Ela percebera?
Na época?
Ah, que tolice, ela não percebia nada. Estava nublada, morrida, um negócio feio que só vendo. Só entendeu todas as atitudes depois.
E o pior, era um ciúme sem tanto fundamento. Sem tanto porque. Cansou logo e foi se divertindo com quem pode.
Mas o buraco estava ali.
Grande, vermelho, com bordas putrefatas e latejava.
Teria sido em vão?
Nada era em vão, mas não dava pra voltar atrás.
Ficou ali, assim. Olhos arregalados, a fumaça do cigarro subindo, fazendo voltas.
E ela?

“Otária”.


30/11/2016