quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Escobar

Em algum lugar em mim há algo que

Se parece ainda com um coração

Aberto, escancarado, um riso de poucos

Dentes e gengivas brancas, pálidas

Como o fundo dos meus olhos negros

Contrastantes com a ira mágica da alegria

Que eu já senti

Com o sabor já provado e com a água retida entre os dedos

Nesse lugar de vários passados ainda há um sentimento

Um sentido

Uma flor pequena e dourada

Há ouro em pó e pedras do tamanho de maçãs

As suas, do seu rosto, do meu

De nós dois colados redescobrindo que ainda há algo

Que bate no peito.

O sangue na contramão

O sangue e o chão sumindo rápido na contradança.

Você me concede?

Eu aprendi tão pouco nesse tempo todo,

Eu ainda procuro com quem dividir e partilhar

Esse pão amassado por minhas mãos

Vazias e sozinhas ao vento

Lento escoar de mágoas

Lento aprendizado de sonhos

Porque fé também se aprende.

Meus dois verões inteiros que sobrarão quando tudo isso passar

Eu desejaria passar nessa sombra estranha que ainda

Desconheço

A sombra desse nosso pesar tão semelhante

E irrestrito

Tudo se torna tão íntimo que apenas digo:

Antes do trem passar assenta-se um dormente.

Mordi o lábio.

Não senti nada.