quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Porto - Galápagos


Pude visualizar algumas coisas, entre a sombra escura do sol e a lua que já se levantava, desde antes do café ficar pronto.

Eu sentia saudades.

E eram saudades inexplicáveis. Dos primos que estavam longe, do amigo de quem eu perdera o e-mail e já fazia anos que me perguntava se estava vivo ou não. Senti saudades de quando levantava pela manhã e aceitava o calor colorindo a minha pele. Antes de tudo eram saudades de Portugal e essas eu não conseguia justificar. Lisboa me parecia tão rara naquele instante, que era quase caminhar por aquelas ruas de pedra.

Pensei que eu deveria voltar ao ponto de início.

Voltei.

Na primeira vez, ela apenas dormia ao lado de um dos rapazes. As mãos entrelaçadas, denunciando o começo do namoro. E era o começo de namoro na vida toda. Nunca havia sido a garota de ninguém. Logo depois experimentou a ânsia com outro deles, e já que não adormeciam juntos, ela sempre fantasiava sobre isso.

O terceiro era um misto de tudo, de irmão, amigo, deitava ao lado e roubava as cobertas. Ela ainda imaginava o segundo. E depois foram outros. Aquele que dormia na beirada da cama, o que teimava em estar sempre de meias, um outro que tinha um cabelinho cheiroso e por isso ela o colocava no ombro. Houve também um com quem tentou adormecer... Mas nunca conseguia. Seus amores lhe provocavam insônia.

Até que se apaixonou e com esse dormiu pelas últimas noites, mesmo que ele nem soubesse disso. Depois passou. Ele saiu da vida dela, deixando a cadeira vaga, a cama e o coração em frangalhos. Ele (o coração) jurou que não se recuperaria nem nessa década, nem na outra.

Teimaram os dois e ela continuou. Aprendeu a dormir abraçada, mesmo que a qualquer movimento seu sono se desfizesse. Ele levantava (o outro moço, agora o coração repousava), ela levantava junto. Ele espirrava, ela já vinha com o chá. Adotou um filho maior.

Esperou por um ou dois anos e agora era ele que não conseguia dormir e se quem a acompanhava sofria de insônia, imaginem a pessoa em questão. Oito quilos a menos na balança e um ar grave que só quem a conhecesse de muito tempo entenderia ser a borda de uma ferida purgando algo de venenoso. Ela partiu.

Malas e alguns pertences, coisa pouca debaixo do braço. Ele foi logo em seguida.

Veio mais um. Era quente e dormia fácil. Ela se animou. Experimentaria agora uma noite completa de sono.

Não foi. Algo naquelas mãos, naqueles dedos que repuxavam seus cabelos com insistência a pôs doente. Quase morreu por duas vezes, as bolas vermelhas pareciam almôndegas vomitadas antes do café da manhã, como a Lua que me fez lembrar Lisboa.

Desistiu.

Menos um na cama, mais uns fios de cabelo e um tratamento de choque. Relera “A Montanha mágica” e tentou se curar. Mirou-se nos exemplos de Bandeira e não das mulheres de Athenas. Deixou de morrer e continuou.

Mais um. Agora nessa fase ela já perguntava “Quando eu acordar você não estará mais aqui?”. Era retórica.

Se esparramava sozinha na cama imensa e cheirava os lençóis procurando encontrar vestígios de si mesma. Não queria saber do outro.

Cortou o coração daquele lá e seguiu, jurando que nem mesmo o amor de infância, agora fardado, comprometido e constante, a tiraria de qualquer rumo. Queria uma linha reta.

Dormia só por 4 horas, acordava e olhava dentro da noite. As respostas eram criptografadas e ela, como olhos de sono e de ramela, não se perguntava se entenderia ou não.

Desistira.

Até que um dia...

Eram mãos e pés quentes. E talvez ela se arrependa.

Essa Lua, a sombra e o calçadão lisboeta. Eu lembrei e logo esqueci.

Talvez ela se arrependa.



03/08/2016




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