sexta-feira, 22 de julho de 2011

Arlequim

Apoteose, meu carro de carnaval saiu antes da hora.
Era domingo ou terça-feira gorda, as mocinhas desfilavam entre saltos na avenida. O destaque se molhava na garoa fina de fevereiro.
Em São Paulo, a folia é outra.
Dois ou três Pierrots do Bexiga dormem abraçados à uma garrafa de pinga, cuidando dela como Arthur e o santo Graal. Algumas diabetes mascam chiclete.
Eu disparo fotos e espero que elas durem, espero que a máquina não molhe... Tropeço no confete.
Caminhando entre ruas meio apertadinhas e calçadas rebaixadas, dessas de cimento misturado com areia, a cena toda já perdeu o som e eu acompanho as pessoas em slow motion. Até efeito de filme envelhecido alguém caprichou para dar e, por um instante, seria Veneza. Não fossem meus tênis, não fosse esse relógio, eu imaginaria que era 50 anos atrás e que me tornara viajante no tempo...
Alguém rodopia uma luz me lembrando uma sirene. Alguém me manda beijos por detrás de uma máscara.
Os rolos de filme se acumulam na tira a colo, e eu acumulo as impressões do meio dia, do sábado seguinte, de todas as visitas a parentes que eu mal conhecia e que morreram logo em seguida.
Tem um gato magro no um terço do bueiro, como se tivesse enquadrado e fazendo pose para a foto. A bacia, ossuda e despelada, ainda guarda algo de negro e talvez ele capture ratos ou animais fantasiosos dessas festas à fantasia. Quem sabe seja um gato mágico e apenas me traga um duende de bueiro. Mas ele foge, assustado, quando o mestre sala reverencia a porta bandeira.
Alguma coisa rebate em minha perna, uma pedrinha que se soltou do asfalto ou algo longe e não sei de onde veio. Eu me curvo, faço foco, vou disparar e o que vejo: seus olhos, claros, me acenando na multidão.